17/03/2014

Escolher: quem sabe? quem pode?

Crescer e tornar-se independente traz consigo a necessidade de tomar decisões, realizar escolhas e posicionar-se frente a inúmeras situações novas e desconhecidas.
Para alguns é mais fácil responder a esta necessidade e seguir firme na construção da sua vida a partir das decisões que toma. Entretanto, muitos outros vivem este processo de crescimento com insegurança e desorganização emocional, pois, por não terem aprendido a fazer escolhas, são empurrados pra a adolescência e a vida adulta destituídos da capacidade de definir a sua vida, presente e futuro.
Apropriar-se deste processo de tomada consciente de decisões, sendo capazes de deliberar e resolver algo é resultado da autonomia que desenvolvemos (ou deveríamos ter desenvolvido) desde crianças e  da autoconfiança e responsabilidade que dela provém. E isso nem sempre foi proporcionado em nosso ambiente familiar e escolar.

No entanto, mesmo que na infância a autonomia tenha sido negligenciada, o final dela e o desenvolvimento cognitivo que dela provém, habilitam o pré-adolescente a se tornar um pouco mais dono de seus desejos e projetos, isto é, a ser mais autônomo. Escolher a roupa que quer usar, qual esporte quer treinar, pra onde quer passear são apenas alguns exemplos de decisões comumente tomadas por um pré-adolescente livre. Ele escolhe e se responsabiliza por esta escolha. Este é o jogo!

No entanto, é aqui que algumas famílias falham. Por duvidarem da capacidade do filho de escolher e se responsabilizar ou mesmo por não concordarem com os seus pontos de vista e prioridades, negam-lhe a liberdade de escolher, tentam influenciá-lo a mudar de opinião ou sabotam (de forma sutil e sem perceber) qualquer espaço de construção de sua individualidade, de sua identidade própria e diferenciada. Sem oportunidade, este jovem continua não desenvolvendo os atributos que lhe habilitariam a fazer escolhas: não se sentem autônomos o suficiente, não confiam em sua percepção e análise das situações e não se arriscam. Entre outros prejuízos, isso acaba desembocando na escolha da profissão, que se dá no auge da tão turbulenta adolescência.

Escolher uma profissão significa projetar a sua identidade no futuro: o que eu quero e vou ser daqui a alguns anos? É, portanto, uma decisão muito importante e arriscada que, na maioria dos casos (aqui no Brasil), é feita muito precocemente. Por tudo isso, a escolha profissional costuma causar desconforto para o jovem e sua família. Angústia, medo e dúvida são os principais elementos que permeiam este período e podem atrapalhar todo o processo. No entanto, o jovem que aprendeu a se posicionar, analisar, investigar e pesar as opções, assim como a se conhecer, experimentando pequenos riscos e responsabilizando-se, estará mais preparado para enfrentar este momento.

Na minha prática profissional ainda vejo muitos adolescentes perdidos em relação a qual profissão escolher, desconhecedores que são de suas capacidades, valores e interesses; alheios ao mundo do trabalho e ao perfil de cada profissão; e inexperientes quanto a fazer escolhas. Conheço também aqueles que dizem ter escolhido, mas se agarraram a uma profissão sem a devida análise, como um náufrago se agarra a um pedaço de madeira em pleno mar, numa tentativa desesperada de não afundar. Estes também não aprenderam o que significa escolher, nem sequer tiveram o trabalho de analisar as opções e o seu jeito de ser.

Inseguros, despreparados e sozinhos, sem suporte e orientação adequados, estes jovens acabam escolhendo qualquer profissão que os salvem desta situação, encerrando o angustiante processo de busca, mas não resolvendo a questão inicial do que "quero ser" e do que "quero fazer", transferindo para o futuro, para a vida adulta, este problema.

30/10/2013

A transformação permitida

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Depois de um longo verão, volto a postar no blog. Não usei a expressão errada. É que por aqui não fez frio algum. Meus últimos meses foram aquecidos, quentes como deve ser toda transformação. E é sobre isso que hoje estou tentada a escrever.
Tornei-me mãe e os dias não são mais iguais. A vida não é mais a mesma. Eu não sou mais quem eu era e quem eu achava que seria quando isso acontecesse. E afora todo o encantamento que vivo ao conhecer cada movimento, desejo e jeitinho da minha filha, estou enamorada pela experiência de ser diferente de mim mesma, daquela outra com quem eu já estava quase acostumada desde quando a vida adulta trouxe alguma estabilidade.
Pois bem, renasci. Aliás, renasço hoje e certamente amanhã também. E parece que assim será por um bom tempo. Não tenho mais ou mesmos limites, nem a mesma percepção de mundo e muito menos os mesmos desejos. Minha lista de necessidades está renovada. Não caibo mais nos mesmos conceitos e crenças, e minhas antigas verdades tiveram que ser reajustadas.
Quanta ousadia há nesta plasticidade! Eu bem sabia que isso seria possível, mas viver, experimentar e agora perceber, foi mesmo surpreendente e encantador. Ser outra sendo eu mesma! Parece tão estável, mas é diferente. Parece tão simples, mas é profundo e às vezes dolorido. Parece tão mágico, mas não aconteceu por acaso. Uma grande mudança, decididamente, não é obra do destino!
Acho que muitos “novos eus” passam anos latejando dentro da gente, pedindo um momentinho de nossa atenção para nos provar o quanto são possíveis, o quanto são necessários.
Algumas vezes a gente só precisa de um motivo pra assumir aquela “outra” que já existe em nós e está prestes a aparecer. Noutras, precisamos criar o caminho para mostrá-la, desafiando o medo ou mesmo a vergonha.
Virar mãe ou pai, entrar na faculdade, fazer 23 (ou 28, 40...) anos ou qualquer outro marco, talvez sirva para dar aquela sensação de que houve motivo pra mudança, o que não é uma hipótese 100% descartável. As situações e contextos estão ai para nos estimular, nos fazer aprender, nos remodelar.
Mas as transformações podem também acontecer num piscar de olhos, no passo seguinte, sem grandes espetáculos ou cerimônias. Acontecem num simples momento em que nos permitimos ouvir aquela voz interna que sussurra e mostra uma nova forma de caminhar, de pensar, de entender, de sentir, de viver.
A questão é percebermos o quanto estamos disponíveis para ouvir essa voz e abrir mão daquele jeitão de ser já enrijecido, cristalizado e inadequado. Afinal, renovação é algo que faz parte da nossa natureza (nossas células já fazem isso, não é mesmo?) e para o qual somos tentados diariamente.

10/04/2011

A cegueira revelada na tragédia

Passado o choque inicial da tragédia na escola em Realengo, mas ainda doída pelas crianças, suas famílias e toda a comunidade que viveu de perto o massacre, fica a terrível sensação de impotência diante das possíveis conseqüências violentas dos transtornos mentais.

Em relação a este horrível episódio, fala-se muito sobre não considerá-lo dentro do espectro da segurança urbana ou ainda sobre a questão do desarmamento que inquestionavelmente está ai presente, mas pouco e superficialmente se discute o transtorno mental e sua implicação na família e na sociedade.

Avaliar a personalidade do atirador, compreender suas raízes e pilares (ou a falta deles), entrar no mundo particular da mente de um esquizofrênico (como vem diagnosticando a mídia) e refazer, passo a passo, seus objetivos e a trama que envolveu todo o planejamento e a execução de seu ato, traz enormes benefícios para a investigação policial e para o estudo mais apurado das nuances psicológicas dos seres humanos. No entanto, é preciso falar da massificada ignorância social a respeito dos transtornos mentais.

Irmão, colegas de escola, vizinhos e sobrinho do atirador conheciam e agora falam de seu comportamento anti-social, de seus interesses por armas de fogo e atentados terroristas e de suas idéias destrutivas. Descrevem o rapaz como uma pessoa de “hábitos estranhos”.

Não se julga nem se diagnostica ninguém pela diferença e idiossincrasia, mas parece-me que faltou a estas pessoas um pouco mais de informação e conhecimento para perceber que a estranheza do rapaz poderia estar atrelada a uma doença e, ainda mais, que esta poderia trazer prejuízos inestimáveis para ele e para a sociedade caso não fosse cuidada a tempo.

Desconfio que a desvalorização, o descuido e o ainda presente preconceito em relação aos transtornos mentais, assim como ao trabalho de psiquiatras e psicólogos, influem diretamente nesta cegueira social.

Não digo que as pessoas que o conheciam são responsáveis pela tragédia. Na verdade penso que estão inseridas num contexto que não possibilita a elas o acesso ao tema de uma forma simples, direta e esclarecedora. Além disso, mesmo que tivessem percebido que o problema era maior que estranheza, a quem elas recorreriam?

Órgãos públicos de saúde e de educação carecem de profissionais desta área e a sociedade perde de várias formas: por ter restritas possibilidades de repensar projetos sociais preventivos e paliativos; pela indisponibilidade de assistência especializada popular que atenda à demanda; pelo atraso nas pesquisas científicas e, conseqüentemente, na evolução dos tratamentos; pela não popularização da discussão e da compreensão dos transtornos mentais, o que facilitaria a identificação e a busca precoce pelo tratamento...

Dar espaço e valorização ao trabalho de psiquiatras, psicólogos e profissionais da saúde mental traria inúmeros benefícios à população em geral e não apenas àqueles que podem pagar por consultas e tratamentos hospitalares particulares. E, quem sabe, ajudaria a evitar inúmeros atentados como este que destruiu pessoas, não somente as que perderam a vida, mas também as que terão que se reconstruir para continuarem vivendo.